terça-feira, 24 de novembro de 2015

Atividade 1.5.
Texto autobiográfico no qual me ponho no papel da "Criança em Ruínas".


Ruínas

    Para mim a minha família sempre foi o Inverno. O cheiro a fogueira e a chá com mel. O calor que nos consome quando está frio e gradualmente nos aquece o coração. A felicidade de ir ao Norte e ver a neve que cai pela primeira vez. Sempre foi isto e muito mais.
   À mesa éramos cinco, o meu pai, a minha mãe, o meu irmão, eu e o nosso quadro preferido pendurado na sala. Custa lembrar pois já não é assim. Que agora como sozinha, que o Inverno já não está junto e que eu fico à espera do frio que não vem.
     Aprendi que amar, principalmente a família, é perdoar e esquecer, é perceber que uma parte de nós deixou de nos pertencer e aceitá-lo.
   Nesta nossa estação escrevíamos poemas, plantávamos flores e íamos ao parque. O meu pai trabalhava até tarde no escritório e a mãe só chegava da escola depois do jantar. Aí era só eu e o meu irmão. Ele brincava comigo, dava-me banho, e quando chegava a hora de ir dormir, já eu deitada na cama, contava-me sempre uma história. Houve um dia em que disse algo o qual eu nunca me esqueci, ou tento não esquecer. “Não sabemos o que é a vida até a vivermos até ao fim. É uma metáfora – sabes – a vida. Tu ainda não sabes o que uma metáfora é, mas garanto-te que um dia saberás e perceberás então o quão enorme e pequena consegue ser ao mesmo tempo. Ou o quão discreta e, no entanto, importante. E tu és a minha metáfora preferida, e a única que eu nunca conseguirei decifrar, pequenina.”
      E com isto adormeci, adormecia, todos os dias.
Foi nesta altura que o divórcio chegou, e o calor voltou no primeiro dia de férias de 2008. Quando me disseram chorei, não tanto por tristeza ou infelicidade, mas principalmente porque não o podia ter esperado. Em casa tudo me parecia bem e igual. O pai sorria, a mãe sorria, e eu sorria com o meu irmão. Até o quadro da sala parecia sorrir. Apenas não percebi o porquê, nem mo disseram, tentei pensar mas nunca soube. Sei muito pouco desde essa noite.
     Não sabia que de manhã as roupas do meu pai já não estariam lá, mas sim noutra casa. Não sabia que a minha mãe entraria em depressão durante três anos. Não sabia que o meu irmão saíria de casa e nunca mais voltaria. Nem tão pouco sabia que um mês depois a nossa casa arderia, destruindo o nosso quadro para sempre.
     Nessa noite ele deitou-me e disse-me que quando acordasse iria acordar num mundo novo. Acho que ainda não acordei.
      A partir desse dia apercebi-me que a minha segurança tinha sido retirada de debaixo de mim, e que todo o carinho e todas as lembraças tinham sido divididas em dois e nenhuma das partes tivesse ficado para mim.
    Nunca mais teria a minha casa, o meu quarto, nem a minha mãe e o meu pai como um só, eles permaneceriam no seu lugar, assim como os poemas permaneceriam na gaveta, as flores nos vasos e as idas ao parque na rotina de alguém.
     Hoje é Outubro e o Inverno chegou.
     E o cheiro a fogueira e a chá com mel.
     A chuva lá fora bate com força na janela.
     Está frio, está tanto frio. Estou cansada, sinto-me em casa.

     Apetece-me dormir até voltar.

Eu e o meu irmão, em 2007.

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